Se alguém ainda tinha dúvidas sobre o potencial das redes sociais de gerar crises, o recente caso do Silicon Valley Bank mostra que conversas on line podem não apenas afetar a reputação, mas levar uma das maiores instituições financeiras dos Estados Unidos à bancarrota. E com assustadora rapidez.
O caso, que foi relembrado pelo jornalista Ronaldo Lemos em sua palestra no Aberje Trends, é quase um episódio de Black Mirror, com a ‘pequena’ diferença de que, neste caso, não se trata de ficção.
Em resumo, o 16º maior banco dos EUA estava passando por um momento delicado por ter aplicado boa parte dos abundantes recursos de seus correntistas em seguros títulos do governo americano. Sim, seguros, mas, até por isso, pouco rentáveis – pagavam então cerca de 1,7% ao ano. Só que, quando a inflação do país disparou, a taxa de juros local subiu junto, atingindo o absurdo (para padrões norte-americanos) patamar de 4,5% ao ano. Neste cenário, os papéis que o SVN tinha em mãos viraram um mico.
A instituição poderia buscar formas de lidar com suas perdas no médio prazo, mas a bancarrota se deu em apenas 48 horas. Como o nome indica, a maioria dos clientes do SVB era formada por empresas e startups de tecnologia. E seus executivos são reconhecidamente usuários em grande escala de redes sociais e aplicativos de mensagens como o Twitter, Slack e Discord. E foi nestas conversas online que tudo começou.
O pânico do mercado foi gerado por comentários de profissionais e investidores sobre a decisão de retirar os valores que suas empresas possuíam no banco. E o que começou como um movimento isolado se converteu rapidamente em um tsunami de retiradas que, em horas, tornou a continuidade das operações do SVB insustentável. Fim de jogo.
PARAÍSO PERDIDO - Confesso que, ao rever o passo a passo deste caso e seu desfecho, minha pergunta não foi “como isso pôde acontecer” e, sim, “por que demorou tanto para que algo assim eclodisse”. Afinal, todas as condições para este tipo de crise estão postas há uma década ou mais.
E, entre estas condições, a mais assustadora (pelo menos para mim) é a gerada pela enorme quantidade de organizações que ainda parecem estar vivendo os clássicos estágios do luto pelo ecossistema comunicacional pré-internet. Há os que estão em negação, acreditam que ainda podem controlar tudo o que se fala sobre eles. Tem o grupo da raiva, que quer posar de moderno, mas insiste em uma comunicação de cima para baixo, sempre disposto a cancelar quem não concordar com seus autoelogios.
Mas minha turma favorita é o pessoal da barganha. Os que pensam que, se não estiverem nas redes ou na mídia, simplesmente não terão suas marcas citadas por ninguém (só porque não estarão presentes para ouvir o que se comenta sobre elas).
SENTA QUE EU TE ESCUTO - Se, para muitos, o cenário midiático atual poderia ser traduzido no velho ditado ‘se correr o bicho pega, se ficar o bicho come’, talvez então seja o caso de chamar o bicho para conversar. Afinal, uma das poucas constantes nesse ambiente de alta volatilidade é a importância do diálogo ativo.
A comunicação (finalmente) está tirando a fantasia de super-herói e se assumindo humana, baseada na conversa, na troca. Tem que saber ouvir mais (para obter dados) do que falar (argumentando na hora certa). E então assim, educar, evangelizar, influenciar e, para alegria dos saudosos pelo controle, em alguns momentos pontuais, moderar.
Um novo modelo que reforça a necessidade das organizações de construírem e preservarem sua reputação. Sem autoridade e confiança, elas não serão ouvidas neste pouco estruturado bate-papo de muitos para muitos do qual não há escapatória.
Vamos conversar?
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